Diogo, Renata, Taiane e Thomaz. Quatro santistas que compartilham da mesma história. Eles se olhavam no espelho e não se reconheciam, não viam quem realmente eram. Se sentiam como se estivessem presos ao corpo errado e para assumir uma nova identidade travaram um caminho difícil.
O processo de transição não costuma ser simples. Normalmente, a construção de uma nova identidade traz com ela uma série de conflitos, sofrimento, preconceito, e claro, muitas teorias equivocadas. E a confusão começa logo ao dar o primeiro passo: explicar a transexualidade.
A identificação sobre o gênero de um indivíduo não tem nada a ver com a orientação sexual, um ponto bastante confuso para a maioria das pessoas. Ser trans é uma outra questão. Pessoas transexuais, muitas vezes, se veem diferentes desde a infância. Eles não se identificam com o gênero biológico. Vão percebendo, aos poucos, que estão fora daquele modelo de gênero que é cobrado delas desde o nascimento.
E é nesse processo de desconstrução e reconstrução que damos início a esta reportagem. Isso porque temos hoje uma das piores estatísticas de assassinatos contra as minorias sexuais e de gênero. O preconceito e a discriminação acabam empurrando esse público, cada vez mais, para o desemprego ou pior, para a prostituição.
O caminho percorrido por Diogo, Renata, Taiane e Thomaz é semelhante aos de muitos transexuais e travestis no País. Um percuso longo, de aceitação e muita luta.
O UNIVERSO TRANS
O UNIVERSO TRANS
DIFERENÇA
INFÂNCIA
PUBERDADE
REDE PÚBLICA
TRANSGENITALIZAÇÃO
ATENDIMENTOS

Os rostos, que ainda se assemelhavam aos de dois garotos, não indicavam a tamanha responsabilidade, e porque não dizer maturidade, que Diogo Almeida, formado em Recursos Humanos, e Thomaz Oliveira, estudante de Psicologia, carregam. Mesmo jovens, com apenas 21 e 23 anos respectivamente, os dois rapazes, que se conheceram ainda no Ensino Médio, se destoam muitas vezes do público desta idade. São articulados e politizados. Não quiseram ser apenas mais um número nas estatísticas e saíram do anonimato para dividir suas experiências transexuais, quase sempre regadas de descobertas, em um canal no YouTube, o Cavalos Marinhos, lançado há pouco mais de um ano.
Em poucos minutos, uma risada fácil toma conta do bate-papo com os dois rapazes. Eles, como muitos homens trans, também precisaram lutar para serem reconhecidos como homens. Mas não gostam de ser vistos como vítimas, porque de fato não são. Conseguiram dar uma guinada em suas vidas e, graças ao apoio das suas famílias, não tiveram como imposição a rua. A história deles é sim diferente. É uma história de vitórias. Uma delas, a conquista pela retificação no nome civil.
O primeiro a conseguir o direito de mudar o sexo e o nome em documentos oficiais, sem a necessidade de uma cirurgia de gênero, foi Diogo. A decisão promulgada em outubro de 2014 pelo juiz da 4ª Vara Cível de Santos, Frederico dos Santos Messias, garantiu ao jovem, na época com 19 anos, a alteração do nome feminino de nascimento. Com isso, Diogo pôde tirar novos documentos, como certidão de nascimento, RG, livrando-o de qualquer tipo de constrangimento.
O autor da ação foi o irmão mais velho do jovem, o advogado Felipe Pereira de Almeida, também responsável pelo processo de retificação do nome de Thomaz, que agora exibe com orgulho o novo RG, emitido no início deste ano.
Apesar dos direitos trans ainda caminharem em marcha lenta no País, o estudante de Psicologia se vê como um privilegiado. O próximo passo é a mastectomia, intervenção cirúrgica para a retirada das mamas.
“Muito tempo a gente passa no espelho sem se reconhecer, sem saber o que é. Aí chega um momento que a gente descobre e fala ok, já sei quem eu sou, mas as pessoas não sabem disso. Costumo dizer que para as pessoas trans, o que é pequeno vale muito mais. Situações que passam batido para muitas pessoas, pra gente é de acabar com o dia. Vivemos uma montanha russa o dia inteiro […]. Eu, enquanto pessoa, vou me sentir ainda mais liberta quando fizer algumas intervenções cirúrgicas”.
Thomaz ainda está na fila do SUS para realizar o procedimento. A esperança é de que a cirurgia ocorra ainda em meados de 2018. Diogo foi submetido ao mesmo procedimento há pouco mais de um ano e agora trava uma nova batalha: a espera pela cirurgia de redesignação sexual, popularmente conhecida como mudança de sexo.
“Alguns homens trans não sentem que precisam da cirurgia para de fato se confirmarem como homens. Acho que é uma questão particular. Eu desconstruí esse conceito, mas ainda é uma situação que me incomoda, até pelo simples fato de ir a um banheiro público”, comenta Diogo.
Apoio da família foi fundamental
Na adolescência já existem várias situações que podem ser difíceis. Imagine, então, lidar com algo desconhecido. Implacável, a puberdade evidencia claramente as características de um gênero ou de outro. E é justamente nessa fase de mudanças no corpo que a cabeça do jovem pode ficar confusa e tornar o processo de transição ainda mais traumático.
Por volta dos 15 anos, Diogo passou a ser acompanhado por uma psicóloga. Em um primeiro momento, segundo ele, a ideia foi de tentar resolver o problema sozinho. Sem saber ainda que se tratava de uma pessoa transexual, buscou na internet a resposta para tentar lidar com a situação.
“Eu não sabia direito o que estava acontecendo. Não tinha conhecimento sobre o tema e depois de muitas inquietações, decidi buscar na internet a expressão ‘de mulher para homem’. Foi quando me deparei com a transexualidade. Não dava mais para continuar vivendo como mulher. Resolvi então conversar com a minha família”.
E o apoio, principalmente da mãe, foi fundamental. “Muitos jovens não são aceitos pela família e comigo, graças a Deus, foi diferente. Eu ainda era muito jovem quando comecei todo o processo de transição. Cheguei a tomar hormônio por conta e quase tirei a minha vida ainda na adolescência. Se não tivesse esse amparo da minha família, talvez não conseguisse concluir meus estudos, estaria na rua como muitos outros”.
“É bem clichê das pessoas trans falarem isso, mas desde pequeninho eu tinha um sentimento que tinha alguma coisa diferente comigo, que eu não entendia o que era, mas sabia que tinha alguma coisa diferente. Comecei a ficar mais velho, com o passar do tempo, a adolescência, as mudanças no corpo, e comecei a sentir que era alguma coisa comigo, com o meu corpo. Um dia, sozinho em casa, em frente ao computador, abri o google, sem ter noção nenhuma de entendimento, de termos, joguei coisas do tipo ‘mulher para homem’, virar homem, porque eu não sabia nada, e comecei a pesquisar. Cada texto que eu lia, cada linha, parecia que estava falando de mim e pensei: é isso. Agora eu me encaixei e sei quem eu sou.
Essa parte realmente foi muito bonita, de eu ter me encaixado. Eu me encontrei comigo mesmo e depois disso começou a luta toda para eu ser quem eu sou. Para eu começar a me sentir bem.
Neste começo eu tinha uma dificuldade muito grande de contar para as pessoas que eu era transexual porque eu sabia que elas iriam fazer perguntas pra mim, perguntas que eu ainda não sabia responder nem pra mim. Eu ainda estava me conhecendo.
Hoje tenho felicidade de me ver no espelho, de viver a minha vida, de poder frequentar uma praia, tirar a camiseta, sair com RG com o meu novo nome. Não tenho palavras para agradecer o apoio da minha família, que sempre esteve ao meu lado. Acho que isso é muito importante.
Quando você vê uma pessoa trans que tem muita dificuldade, muitos problemas, principalmente as meninas trans, que também têm a questão da prostituição, muitos destes casos estão ligados a uma família que expulsou de casa. São pessoas que não tiveram um apoio, uma orientação, uma base. Já pensou se eu com 15 anos tivesse sido expulso de casa? O que seria da minha vida? Eu nunca ia conseguir fazer uma faculdade, nunca conseguiria ter um emprego formal, eu ia fazer qualquer coisa que eu pudesse para pelos menos comprar comida e não passar fome. E isso, infelizmente, acontece com muita gente”.
Novo batismo
Ficou a cargo da mãe de Thomaz a missão de escolher seu novo nome. Ela mora em Amsterdã, na Holanda, e soube da transição pouco tempo após o filho contar sobre sua orientação sexual. Inicialmente, segundo o estudante de psicologia, por não ter conhecimento, não compreendeu o que seria a transexualidade, mas, assim como a família de Diogo, não o desamparou.
“Novamente, uma questão de privilégio. Não são todas as pessoas trans que são aceitas pela família. E depois de a gente muito discutir, eu tinha feito uma seleção de nomes e estava muito disposto a ajudá-la nesse processo”.
Depois de enviar uma seleção com seus cinco nomes favoritos, o estudante foi surpreendido com um desejo antigo da mãe, de batizá-lo com o nome de Thomaz. “O nome nunca tinha passado pela minha cabeça, mas como ela falou que havia pensado nele quando estava grávida, que gostava desse nome, deixei ela escolher. Até porque quem escolhe o nome é a mãe e o filho não tem voto neste aspecto”, brinca o estudante.
Mas o presente maior ainda estava por vir. Foi no aniversário de 23 anos que Thomaz teve a certeza de que não estava desamparado. “Nós fizemos uma tatuagem juntos, quando fui para Amsterdã. Embaixo, ela tatuou o meu nome e eu novamente chorei como um bebê, porque é o reconhecimento da sua identidade. E é um privilégio mesmo. Não são todas as mães que te dão esse apoio. Quando a gente pensa em casa, a gente pensa em conforto. E para as pessoas trans, nem toda casa é um lar”.
“Muitas pessoas trans dizem que nasceram no corpo errado. Eu, particularmente, não concordo com isso. Acho que um corpo, é um corpo. O erro foi o médico bater na minha bunda e falar que eu era uma menina. E a partir daí veio todo uma imposição junto, veio todo um estereótipo junto, uma carga que não me cabia e que era muito pesada. Então a partir do momento em que eu consegui me libertar daquilo, as coisas foram melhorando.
Antes eu era lido socialmente como uma mulher lésbica e essa leitura nunca me encaixou. É muito curioso porque eu lembro quando tinha uns 12, 13 anos, quando essa questão da sexualidade estava batendo na porta, e eu me vi interessado por garotas, não fazia ideia do que estava acontecendo. Eu não gostava do termo lésbica. Esse termo sempre me incomodou. Hoje eu entendo porque eu não gostava do termo lésbica, porque de fato ele não era meu. A identidade lésbica existe, ela é linda, maravilhosa, mas não me cabe. Sempre me vi como um homem mas não sabia.
Dentro de casa eu enfrentei uma resistência. A minha mãe não mora comigo, mora em Amsterdam há uns oito ou nove anos, e foi um parto para ela aceitar minha sexualidade de longe. Num dia, muito ansioso, já não conseguindo guardar mais isso pra mim, eu pedi pra ela ligar e ela ficou com medo que tivesse acontecido alguma coisa, porque eu não peço pra ela ligar nunca. Ai vomitei. Ela falou que ia me apoiar, mas não tinha a menor ideia do que estava acontecendo. Desde então foi um processo.
Enquanto pessoa vou me sentir ainda mais liberta quando eu fizer algumas intervenções cirúrgicas, dentre elas a mamoplastia. Existem caras que estão muito mais ok com o seu corpo e é incrível. Fico muito feliz quando vejo alguns meninos que não fizeram cirurgia sem camisa. Eu acho isso um ato de resistência e coragem tremendos. A gente sabe que vive em um país extremamente violento, que mais mata pessoas trans no mundo. É um cenário muito triste, mas é incrível porque o ato de existir e resistir é quase que poético.”
Arte foi passaporte para um novo futuro
Renata Carvalho tem 36 anos. Ela é atriz e diretora e, mesmo sendo duplamente privilegiada, já que conseguiu continuar os estudos, não teve uma história distinta das demais travestis no País.
Nascida em Santos, ela decidiu deixar para trás do seu passado e escrever um novo capítulo da sua história na Capital paulista.
A transição de Renata começou ainda na adolescência. A feminilidade aguçada, segundo conta a atriz, sempre fizeram dela motivo de chacota ainda na escola. Aos poucos, os apelidos pejorativos passaram a se tornar cada vez mais presentes em sua vida. Renata, assim como muitas travestis e transexuais, também não teve o apoio da família e foi expulsa de casa.
Desamparada, seu destino parecia certo: ser acolhida nas ruas. Mas Renata não se enquadrava naquele perfil. Sempre muito politizada, fez da arte um passaporte para um futuro diferente.
Atuando há pouco mais de 20 anos, exibe com orgulho alguns dos cartazes de peças teatrais que está encenando. A esperança é de que com a arte, um dia mude a realidade do País. Seu maior desejo é que no futuro, uma pessoa ao se assumir trans, não enfrente suas mesmas dificuldades.
“Acho que estamos sempre em transformação. A coisa mais difícil da transformação é olhar pra si. Se não fosse o teatro eu não se teria tanto essa vivacidade. O teatro me ajudou muito no sentido de entendimento de mundo, de saber o que vim fazer no mundo. Me deu um entendimento como artista, de o que fazer com a arte e o que a arte pode possibilitar em fazer. Eu penso que a minha arte vem um pouco para tentar mudar esses estereótipos, quebrar esses paradigmas, essas lendas que vem da nossa população”.
“Quando a gente fala de travesti, a gente já tem uma figura montada na cabeça de qualquer pessoa. Há um tempo, eu fui me apresentar em Ribeirão Preto. Estava em um restaurante, quando saí para jantar com algumas pessoas que foram assistir a peça. Me chamou a atenção uma mesa ao lado, que tinha um menino com deficiência intelectual que não parava de me olhar.
Uma hora ele levantou e veio falar comigo. Ele virou e falou que eu era muito bonita e eu comecei a conversar com ele. De repente, ele me perguntou se eu era homem ou mulher. Se fosse há uns cinco anos atrás, isso teria acabado com a minha paciência no dia. Mas hoje em dia não. Estou realmente empoderada como travesti, porque não quero parecer, quero ser. Não quero parecer mulher porque não sou mulher, muito menos homem. Eu quero ser travesti.
O mais engraçado é que não me aceitam como mulher, não me permitem ser homem, porque também não sou, e não me aceitam como travesti. Então também não deixam eu permear neste mundo. Biologicamente não nasci como mulher, apesar de ter o entendimento de, e porque realmente eu não sou mulher.
Existe a mulher, existe o homem e existe a travesti. E eu sou travesti. Então eu expliquei isso pra ele. Mas depois ele me perguntou o que eu fazia. Quando disse que era atriz, ele perguntou se eu era atriz de sexo. Falei que não tinha nada a ver com sexo. Era atriz de teatro. Mas o que me chamou a atenção é que mesmo uma pessoa com deficiência intelectual, que não tem ligações cognitivas, ele já tem nele, incrustado o preconceito.
Alguém que estava alí com ele, pai, mãe, que ficaram muito sem graça com a pergunta, em algum momento da vida jogaram isso pra ele. Por que como uma pessoa com deficiência intelectual pode ter um preconceito tão incrustado dentro dele, sabendo que travesti é ligado ao sexo? E é este o nosso problema. Todas as travestis estão ligadas ao sexo. Isso eu digo quando saio na rua.
A normalidade e a humanização dos nossos corpos só vai ocorrer normalmente quando estivermos realmente integradas na sociedade. É isso que eu quero, que as pessoas venham conhecer essa realidade. Foram colocados tantos estigmas, tem tanta lenda em cima da gente.”
NOME SOCIAL
Uma pergunta banal para a maioria das pessoas pode se transformar em um verdadeiro pesadelo para pessoas trans. Quando o nome civil não corresponde ao gênero ao qual o indivíduo se identifica, a pessoa é obrigada, em muitos casos, a se deparar com uma lembrança que gostaria de deixar no passado. Por isso, o nome social é tão imprescindível para quem se identifica como trans, explica a advogada e presidente da Comissão de Diversidade Sexual e Direito Homoafetivo da OAB Santos, Rosângela Novaes. Ele refere-se à forma como travestis ou transexuais se identificam e são socialmente reconhecidos na sociedade.
Apesar dos direitos trans ainda caminharem em marcha lenta no País, uma importante vitória no Superior Tribunal de Justiça (STJ), agora, garantirá o direito a estas pessoas de mudarem o sexo em sua identidade civil, sem a necessidade de uma cirurgia de redesignação sexual. A retificação no registro só era possível recorrendo à Lei de Registros Públicos de 1973, um processo que demorava de seis meses a dois anos.
“No Estado de São Paulo, desde 2010 o uso do nome social já é um direito garantido às pessoas trans. E em Santos também há uma lei municipal que prevê o uso em repartições públicas”.
Mesmo sendo um direito garantido há 16 anos, segundo a advogada, ainda há casos de discriminação que chegam ao conhecimento da justiça. “Por isso, a decisão do STF, em permitir que pessoas trans tenham o direito à retificação no registro civil, sem a necessidade de procedimentos cirúrgicos, representa um ganho enorme para este público, que ainda é muito marginalizado na sociedade”.
Em janeiro deste ano, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) emitiu a primeira certidão a uma advogada transexual. Membro da Comissão de Diversidade e Combate à Homofobia da Ordem desde 2011, Márcia Rocha sempre se apresentou ao público respeitando sua identidade de gênero. Porém, no sistema da entidade, constava apenas seu nome de registro.
“Trans e travestis são pessoas rejeitadas, muitas deixam a escola cedo, são expulsas de casa e não conseguem uma qualificação. O caso da Márcia Rocha, que conseguiu a mudança pelo nome social na carteirinha da OAB, é diferente. Ela conseguiu se qualificar antes mesmo de se assumir transexual. É difícil encontrar trans que têm uma profissão. A opção para essas pessoas acaba sendo mesmo a rua”, comenta Rosângela Novaes.
E é aí que mora o perigo, já que a expectativa de vida de uma travesti, em média, é de 35 anos. “Cerca de 90% das travestis acabam tendo a rua como saída para sobreviver. E elas estão mais sujeitas à violência, inclusive com requintes de crueldade. As outras 10% acabam atuando em subempregos, em call centers e salões de beleza. Elas não conseguem se preparar, se qualificar para o mercado de trabalho”.
Para a retificação do nome civil, mesmo sem a cirurgia, ainda é preciso procurar um advogado e ajuizar uma ação para mudança de gênero e nome. Outros documentos também devem ser apresentados para atestar a mudança.
“No passado, o tempo de espera era mais longo, mesmo que dependendo de caso a caso. Hoje a mudança é mais ágil. Temos exemplos na região, inclusive, de pessoas que fizeram a cirurgia e ainda assim aguardaram mais de dez anos para conseguir a retificação. Isso é um problema de dignidade humana. As pessoas trans têm que ficar se explicando, se expondo a todo momento. Isso é muito constrangedor”.
Nascida na militância
Há mais de 25 anos, Taiane Miyake luta por direitos das trans e travestis no País. Nascida ativista, como ela mesma descreve, coordena a Comissão de Diversidade de Santos, ligada à Secretaria de Defesa da Cidadania, e comemora a conquista recente do direito de ter seu nome retificado nos documentos pessoais.
“Na minha infância e adolescência já militava sem saber. Não é fácil você se sentir uma pessoa e ter que viver outra por conta das convenções sociais. No início, me preocupei muito com o preconceito das pessoas, mas sempre tive ao meu lado uma mãe que sempre me orientou”.
Segundo Taiane, seu primeiro salto alto foi, inclusive, dado pela mãe. “Eu estava em uma loja no shopping e ela me fez calçar. Eu estava morrendo de vergonha de me levantar do banco, trêmula, com o rosto vermelho porque a loja estava cheia e ela disse: ‘anda. É isso que você vai passar diariamente. É isso que você quer pra você? As pessoas nunca irão olhar pra ti normalmente, mas se isso for o que você quer pra você, estarei do seu lado pro que der e vier’. E assim foi até os últimos dias da vida dela. Minha mãe foi a mola propulsora para eu me tornar quem eu sou hoje”.
Taiane lamenta que mesmo há tantos anos na militância, pessoas trans e travestis ainda continuem invisíveis. “Ainda somos mal vistos, vivemos hoje em um país de retrocesso e os poucos direitos que nós, LGBT, conquistamos querem nos tirar. Hoje tenho como lema para minha vida: “persistir, resistir e não desistir”, comenta.
E por falar em sonho, Taiane conta estar vivendo uma grande realização pessoal. Agora, ela pode ter seu antigo nome social retificado em documentos pessoais. “O nome sempre é associado à nossa imagem. É nosso cartão de visita e é inconcebível eu mostrar um RG com nome civil masculino, um cartão SUS com nome social e a minha imagem ser feminina. Existem pessoas e profissionais, que propositalmente, nos chamam pelo nome civil para nos expor, para nos humilhar. Em nossas vidas, quando temos nossos documentos retificados, é o fim termos que pedir “por favor”.
“O preconceito e a discriminação ainda são muito grandes neste País quando se trata de transexuais e travestis. Existe desinformação sim. Ainda somos vistas como prostitutas, drogadas, aidéticas. Nada nos agregam de positivo. Meu objetivo enquanto Coordenadora da Comissão Municipal de Diversidade Sexual sempre foi levar capacitações a todas as secretarias municipais. Vou às instituições privadas e públicas, escolas e universidades, quando assim sou convidada, e aos municípios em geral, para justamente promover os direitos humanos e fortalecer a cidadania LGBT: desfazer mitos e crenças e sensibilizar a sociedade para o respeito à diversidade sexual e de gênero.
Santos hoje está na vanguarda na promoção dos direitos LGBT na Baixada Santista. Mas é preciso avançar, estagnou, parou, e temos potencial para isso. Na Cidade, posso garantir que o nome social é respeitado. Temos uma lei municipal que dispõe sobre o tratamento do nome social de transexuais e travestis desde 5 de janeiro de 2015. […]
Hoje, São Paulo é pioneiro na luta pelo direito à diversidade sexual e de gênero. Em Santos, em reuniões mensais da CMDS, constantemente, conscientizo as pessoas sobre esta lei e reforço o quanto é importante pessoas LGBT fazerem boletins de ocorrência, onde existem campos para nome social e também para tipificação do crime, se foi homofóbico ou transfóbico e ainda há condições de se fazer digitalmente via internet. Hoje tenho proximidade com a polícia civil de Santos e quando o assunto é travestis e transexuais sempre me chamam no Palácio da Polícia para um diálogo. Vejo isso como um avanço.
A escola, que deveria ser um espaço acolhedor a todos e todas, infelizmente, para a população LGBT, é um espaço de exclusão. Vejo professores e orientadores interessados em ajudar, mas que estão perdidos, sem saber como lidar com essas questões e com essas pessoas. Vejo também professores coniventes para que a evasão escolar aconteça, professores que admitem que dentro de sala de aula outros alunos xinguem aqueles que estão fora dos padrões heteronormativos, xingamentos do tipo bichinha, traveco. Essa exclusão também é uma violência e contribui para que tenhamos mais travestis e transexuais nas esquinas se prostituindo.
A maioria das travestis e transexuais se evade das escolas com 12, 13 anos. As famílias os expulsam e quem acolhe é a rua, tendo somente para oferecer a prostituição. Tenho sempre como fala que a escola tem por obrigação reeducar seus professores, orientadores e trabalhar seus alunos quanto às diferenças, quanto às diversidades sexuais e de gênero. Ainda temos professores e orientadores colocando suas crenças religiosas à frente de uma educação que deveria ser universal, e isso contribui muito para exclusão. Se tivermos uma escola totalmente inclusiva, teremos menos travestis e transexuais nas esquinas. A prostituição tem que ser uma opção e não uma imposição, como vem acontecendo.”
ACOMPANHAMENTO PELO SUS
O Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual (AMTIGOS), mantido no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, em São Paulo, é pioneiro no País em abrigar crianças e adolescentes transexuais e a implementar o tratamento hormonal a adolescentes transexuais.
Curiosidades
DIFERENÇAS
A diferença entre transexual, transgênero e travesti é de autoidentificação.
EVITE
Evite fazer referências ao gênero de nascimento.
NOME
Não exponha o nome de nascimento, use somente o nome social.
A ou O
Use sempre o artigo de acordo com o gênero com o qual a pessoa se identifica.
A TRAVESTI
Travesti é feminino. Por isso, o correto é “a travesti” e não “o travesti”.
CISGÊNERO
Cisgênero é aquele que está de acordo com o seu sexo designado no nascimento.
CORPO
Evite fazer perguntas sobre o corpo das pessoas trans, se já fez cirurgia principalmente.
CIRURGIA
NÃO EXISTE MUDANÇA DE SEXO. O CERTO É TRANSGENITALIZAÇÃO OU REDESIGNAÇÃO SEXUAL.
DOENÇA
Transexuais não são pessoas doentes. Por isso, não use a palavra transexualismo.
Curiosidades
A DIFERENÇA ENTRE TRANSEXUAL, TRANSGÊNERO E TRAVESTI É DE AUTOIDENTIFICAÇÃO.
EVITE FAZER REFERÊNCIAS AO GÊNERO DE NASCIMENTO.
NÃO EXPONHA O NOME DE NASCIMENTO, USE SOMENTE O NOME SOCIAL.
USE SEMPRE O ARTIGO DE ACORDO COM O GÊNERO COM O QUAL A PESSOA SE IDENTIFICA.
TRAVESTI É FEMININO. POR ISSO, O CORRETO É “A TRAVESTI” E NÃO “O TRAVESTI”.
CISGÊNERO É AQUELE QUE ESTÁ DE ACORDO COM O SEU SEXO DESIGNADO NO NASCIMENTO.
EVITE FAZER PERGUNTAS SOBRE O CORPO DAS PESSOAS TRANS, SE JÁ FEZ CIRURGIA PRINCIPALMENTE.
NÃO EXISTE MUDANÇA DE SEXO. O CERTO É TRANSGENITALIZAÇÃO OU REDESIGNAÇÃO SEXUAL.
TRANSEXUAIS NÃO SÃO PESSOAS DOENTES. POR ISSO, NÃO USE A PALAVRA TRANSEXUALISMO.
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